Por Rainer Sousa
No desenrolar da Revolução Russa, a crise do regime czarista representou um dos pontos de maior discussão entre os partícipes diretos daquela surpreendente experiência histórica. Enquanto os mencheviques acreditavam ser possível realizar as mudanças necessárias ao seu país sem uma transformação política abrupta, os bolcheviques, em contrapartida, entediam que as mudanças necessárias à nação só aconteceriam no momento em que os populares tomassem a frente no poder.
Em 1918, a Rússia foi tomada por uma guerra civil que colocou os bolcheviques diretamente contra as tropas monarquistas que pretendiam impedir a criação de um estado socialista na Europa. Com o estabelecimento do confronto direto, a família do czar Nicolau Romanov II passou a ser vista como traidora das demandas que impeliam milhares de russos a pegar em armas em defesa de suas próprias aspirações. Naquele mesmo ano, o avanço do Exército Vermelho foi marcado pela execução da família real.
Aos olhos dos governos socialistas que assumiram o poder na Rússia, tal ato foi visto como uma ação razoável mediante as várias ações autoritárias que a dinastia Romanov havia tomado contra seus opositores políticos ao longo de sua estada no poder. Dessa forma, a ação extrema imposta pelos exércitos revolucionários seria justificada como uma conseqüência ao estado de guerra instituído pelas desigualdades legitimadas pelo próprio governo czarista.
Contudo, a explicação dada ao extermínio e a incriminação da família do czar passou a se enfraquecer no momento em que o regime socialista russo entrou em crise nos finais do século XX. A imagem sobre os Romanov estabeleceu uma grande polêmica entre os russos. Os cristãos ortodoxos os consideravam santos mediante as terríveis perseguições que sofreram. Não por acaso, a própria Igreja decidiu promover o processo de beatificação desta família nobiliárquica.
Em contrapartida, os antigos comunistas compreendiam que a recuperação da imagem de Nicolau II e toda sua família tem o sentido de denegrir as justificativas políticas que sustentaram tal fato. Por outro lado, os opositores dos presidentes Vladmir Putin e Dmitry Medvedev acreditavam que a recente absolvição judicial dada aos Romanov estava em harmonia com as freqüentes denúncias de autoritarismo apontadas contra estes governos.
Apesar de não estabelecer nenhum tipo de transformação mais profunda, podemos ver que o passado revolucionário e o regime soviético ainda suscitam questões em aberto para opinião pública daquele país. Criminalizar a ação dos comunistas pode ser mais uma amostra da “correção histórica” e da “modernização” das instituições políticas da Rússia. Entretanto, inocentar o autoritarismo czarista desperta o receio de se legitimar o autoritarismo e o nacionalismo cego.
Mais uma vez, o passado abre portas para uma discussão atual que influi diretamente nas perspectivas alcançadas para o futuro político russo.