A Lei do Ventre Livre ou Lei nº 2.040/1871 foi uma lei sancionada em 28 de setembro de 1871 e que estabelecia que os filhos de escravas nascidos após a lei entrar em vigor seriam considerados livres. A lei estabelecia que os filhos de escravas deveriam ser libertos com oito anos (com indenização) ou 21 anos (sem indenização).
Essa lei foi parte da proposta de realizar a transição do Brasil de maneira lenta e gradual até a abolição total do trabalho escravo. Foi uma lei conservadora, que buscava enfraquecer o movimento abolicionista, mas que foi largamente explorada por esse movimento para atuar na justiça em defesa dos escravos.
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Resumo sobre a Lei do Ventre Livre
- A Lei do Ventre Livre foi uma lei abolicionista sancionada em 28 de setembro de 1871.
- Essa lei determinava que os filhos de escravos, após sua sanção, seriam considerados livres.
- Estabelecia dois cenários para os filhos de escravos, podendo ser libertos aos oito ou aos 21 anos.
- Foi estabelecida com o objetivo de garantir uma transição gradual e lenta até a abolição, além de buscar enfraquecer o movimento abolicionista.
- Essa lei, apesar de conservadora, fortaleceu a atuação do movimento abolicionista no campo do Judiciário.
O que foi a Lei do Ventre Livre?
A Lei do Ventre Livre foi uma lei sancionada em 28 de setembro de 1871, sendo também conhecida como Lei nº 2.040/1871. Ficou conhecida como uma das leis abolicionistas que foram criadas com o intuito de promover uma transição lenta e gradual do nosso país até o fim da escravidão e de frear o avanço do movimento abolicionista.
A Lei do Ventre Livre determinava que todos os filhos de mulheres escravizadas que nascessem a partir da sanção da lei, em 1871, seriam considerados livres. Havia, no entanto, dois cenários que deveriam ser cumpridos: os filhos de escravos poderiam ser libertos com oito anos, com indenização para o dono da escrava, ou com 21 anos, sem indenização.
Os termos da Lei do Ventre Livre estabeleciam que todo escravo que nascesse a partir de 1871 seria considerado livre. No entanto, eles só gozariam dessa liberdade quando completassem oito ou 21 anos de idade, sendo uma escolha do senhor de escravo definir com qual idade o filho da escrava seria liberto.
Aqueles que optassem por libertar os filhos de suas escravas com oito anos receberiam uma indenização de 600 mil-réis com acréscimo de 6% de juros ao ano com limite de até 30 anos. Aqueles que optassem por libertar os filhos de suas escravas com 21 anos não receberiam nenhuma indenização.
A maioria dos senhores de escravos optou por libertar os seus escravos com 21 anos de idade. A Lei do Ventre Livre, além disso, tratava de outras questões, impondo uma matrícula de escravos e estabelecendo a obrigatoriedade dos senhores de escravos de mantê-la atualizada. Escravos não matriculados nesse registro poderiam conquistar sua liberdade na justiça.
Essa obrigatoriedade criou enormes problemas aos senhores de escravos na justiça, uma vez que muitos abolicionistas vasculhavam os registros de matrículas de escravos a fim de encontrar irregularidades para acionar a justiça e garantir a liberdade a escravos. Foi uma lei conservadora e que atuou no objetivo desejado: abolir a escravidão sem rupturas bruscas na situação do país.
Contexto histórico da Lei do Ventre Livre
Na segunda metade do século XIX, o Brasil era um dos poucos países que ainda mantinham a escravidão, o que repercutia profundamente em nossa sociedade. A manutenção da escravidão e a recusa das elites econômicas em abrir mão dessa forma de trabalho deu força ao movimento abolicionista, que defendia a abolição do trabalho escravo no Brasil.
Na década de 1860, o movimento abolicionista questionava o absurdo que era manter a escravização de seres humanos e todas as violências a que eles eram sujeitados enquanto escravos. O fortalecimento do movimento abolicionista começava a ganhar espaço não só na sociedade, mas também nos meios políticos. A luta travada por abolicionistas e escravocratas fez com que muitos encontrassem o caminho do meio como solução para resolver o problema. A questão da escravidão, afirmavam muitos, deveria ser abordada de maneira a promover essa abolição de maneira lenta e gradual para evitar conflitos com as elites econômicas.
Os abolicionistas, em grande parte, rejeitavam essa ideia, mas, ainda assim, ela teve muita força e ganhou espaço na política brasileira. Esse grupo que defendia a transição gradual argumentava que era necessário que o Brasil fizesse acenos sobre a questão abolicionista, pois o país estava cada vez mais isolado internacionalmente nessa pauta.
Além disso, se o Brasil não fizesse pequenas reformas na escravidão correria o grande risco de lidar com revoltas e conflitos de grande proporção. Os defensores da transição gradual argumentavam que se essas pequenas mudanças não fossem realizadas o Brasil poderia enfrentar situações parecidas com o que ocorreu nos Estados Unidos e no Haiti.
O temor de uma revolta de escravos, como tinha ocorrido no Haiti no final do século XVIII, era um medo que acompanhava uma parcela da sociedade brasileira. Nesse contexto, o imperador passou a propor que iniciativas para a abolição fossem tomadas.
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Por que a Lei do Ventre Livre foi criada?
A Lei do Ventre Livre foi resultado de uma iniciativa de D. Pedro II, imperador do Brasil. Ele solicitou a um de seus conselheiros, José Antônio Pimenta Bueno, que realizasse um estudo a fim de elucidar soluções para a questão da abolição do trabalho escravo no Brasil. O estudo foi pedido em 1865 e encerrado no ano seguinte.
O conselheiro do imperador sugeriu que fosse promovida a liberdade dos filhos de mães escravas. Na proposta, Pimenta Bueno sugeriu que meninas fossem libertas com 16 anos e meninos fossem libertos com 21 anos. A proposta dele ainda sugeria que os senhores de escravos seriam obrigados a alforriar escravos que tivessem condições de indenizar seu dono.
As propostas de Pimenta Bueno foram levadas ao Conselho de Estado, mas foram engavetadas por causa da Guerra do Paraguai, permanecendo nessa condição até que o conflito se encerrasse. Debateram-se outras questões, e foram determinadas algumas mudanças na escravidão, como, por exemplo, a proibição da separação dos filhos de mães escravas até que eles completassem 15 anos.
Só em 1871 é que a questão da abolição foi retomada politicamente e de maneira mais enfática. Cristalizou-se a ideia de que era necessário promover reformas para impedir que revoltas de escravos acontecessem. Nesse ano, o Visconde do Rio Branco decidiu assumir a liderança do debate, e inspirou-se na proposta de Pimenta Bueno e na Lei Moret (aprovada em Cuba).
A proposta do Visconde do Rio Branco se tornou a Lei do Ventre Livre, sendo proposta como forma de:
- reduzir o isolamento internacional do Brasil por manter a escravidão;
- enfraquecer o movimento abolicionista;
- impedir que revoltas de escravos acontecessem no país.
Quem assinou a Lei do Ventre Livre?
A proposta do Visconde do Rio Branco foi levada ao Congresso Nacional, sendo aprovada com o total de 61 votos a favor e 35 votos contra. Sua aprovação fez com que o texto da Lei do Ventre Livre fosse levado para ser sancionado, o que aconteceu em 28 de setembro de 1871, quando a Princesa Isabel assinou a lei, colocando-a em vigor.
Lei do Ventre Livre x Lei dos Sexagenários
A Lei do Ventre Livre, como já vimos, estabeleceu a abolição para os filhos de escravas nascidos a partir de 1871, estabelecendo-se condições para que eles fossem libertos (com oito anos e indenização; com 21 anos sem indenização). Além disso, a lei ainda estabelecia a obrigatoriedade do registro dos escravos em um registro de matrículas.
Foi uma lei abolicionista de caráter conservador que tinha como objetivo dar força à transição gradual e lenta, além de procurar enfraquecer o movimento abolicionista. Outra lei do tipo foi a Lei dos Sexagenários, de 1885, que propunha que todos os escravos com mais de 60 anos seriam considerados livres.
Além disso, a Lei dos Sexagenários estabelecia que os escravos libertos seriam “retidos” por mais três anos para trabalhar como indenização, sendo obrigados a residir na cidade em que foram libertos por um período de cinco anos. Foi uma lei considerada muito conservadora e que foi vista pelo movimento abolicionista como uma derrota, porque era uma iniciativa para barrar o avanço da causa abolicionista na década de 1880.
Benefícios da Lei do Ventre Livre para os escravos
Apesar de sua timidez, a Lei do Ventre Livre contribuiu para garantir a liberdade a milhares de escravos no Brasil, criando uma transição que forçaria uma transição para a abolição, embora fosse uma transição muito lenta. Além da liberdade aos filhos das escravas, a lei dava abertura para que os escravos pudessem lutar por sua liberdade.
A lei estabelecia também que os escravos que conseguissem levantar o valor necessário para pagar por sua liberdade deveriam ter direito a sua alforria. E se não fosse estabelecido um acordo pelo valor da indenização, a justiça é que fixaria o valor para tal. Por fim, a lei determinava o registro dos escravos em matrículas, e aqueles que não estivessem cadastrados seriam considerados livres.
Esse último item, como mencionado, foi largamente explorado pelos abolicionistas, que mobilizaram advogados e rábulas para encontrar irregularidades na justiça e garantir a liberdade de escravos. A lei, portanto, deu abertura para que os escravos pudessem lutar na justiça por sua liberdade, seja negociando o valor da indenização, seja exigindo sua liberdade por irregularidades nos registros.
Consequências da Lei do Ventre Livre
Como consequências da Lei do Ventre Livre, destacam-se:
- redução progressiva do número de escravos no Brasil;
- fortalecimento da atuação abolicionista em defesa dos escravos no campo jurídico;
- adiamento da abolição do trabalho escravo no Brasil;
- acirramento do debate abolicionista no Brasil.
Créditos da imagem
[1] Senado Federal (reprodução)
Fontes
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2018.
SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: Uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
LAIDLER, Christiane. A Lei do Ventre Livre: interesses e disputas em torno do projeto de “abolição gradual”. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/escritos/numero05/FCRB_Escritos_5_9_Christiane_Laidler.pdf