Na história dos EUA, desde a independência desse país, houve vários acontecimentos marcantes contra os presidentes da República. Alguns foram assassinados (como Lincoln e John Kennedy) e, em outros casos, houve renúncia (a de Richard Nixon, em virtude dos desdobramentos do escândalo de Watergate) e processos de impeachment. Nesse último caso, dois presidentes já foram submetidos a esse tipo de processo: Bill Clinton, em 1999, e Andrew Johnson, em 1868. O presente texto abordará esse último caso.
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República presidencialista e impeachment
Os Estados Unidos da América foram a primeira nação do continente americano a adotar o sistema republicano. Isso ocorreu quando as então Treze Colônias, situadas na Costa Leste dos atuais EUA, declararam-se independentes da coroa inglesa em 1776. O regime republicano adotado pelas ex-colônias era também presidencialista, isto é, o representante máximo do Poder Executivo seria o presidente da República, que reuniria em sua pessoa os cargos de chefe de Governo e chefe de Estado; ao contrário, portanto, da República parlamentarista, na qual o presidente só assume a chefia do Estado, enquanto o primeiro-ministro é o chefe de Governo.
Nesse sistema (presidencialista), o único recurso previsto para afastar o presidente da República do cargo é a abertura de um processo de impeachment, que deve ter base jurídica, isto é, o presidente deve ser formalmente acusado de algum crime contra a responsabilidade de seus deveres políticos ou de algum crime comum, e apreciação e julgamento político nas duas casas do Congresso Nacional: a Câmara dos Representantes (deputados) e o Senado, respectivamente.
O presidente Andrew Johnson foi alvo do processo de impeachment em 1868, em um contexto bastante atribulado.
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Fim da Guerra Civil, assassinato de Lincoln e reconstrução do país
Andrew Johnson era vice-presidente da República quando Abraham Lincoln, então Presidente, foi assassinado com um tiro na cabeça em 14 de abril de 1865, dentro do Teatro Ford, enquanto assistia à peça Our American Cousin. Com a morte de Lincoln, Johnson teve de assumir o poder. O problema é que o momento era um dos mais delicados da história dos EUA.
A Guerra Civil Americana, que começara em 1861, teve fim naquele ano de 1865. Lincoln, enquanto presidente, estava à frente da União, ou seja, do poder federal – apoiado pelos estados do Norte do país –, e contra os separatistas do Sul, os autointitulados Estados Confederados. Como é sabido, o Norte venceu o Sul, mas a guerra havia causado a destruição de muitas cidades do país. Como a escravidão foi abolida, o modelo agrário escravocrata sulista tinha de ser substituído por outra estrutura de produção rural. Todo esses problemas estavam sendo avaliados por Lincoln e sua base política quando sobreveio o seu assassinato. Johnson, por sua vez, teve de comandar a árdua tarefa de reconstruir o país.
Andrew Jonhson sucedeu Lincoln após o assassinato deste
O objetivo maior da reconstrução era a restauração do sistema federal com a reincorporação dos Estados do Sul. O problema é que os projetos de reconstrução de Jonhson acabaram se chocando contra as perspectivas de uma parte considerável dos congressistas, principalmente da Câmara dos Representantes. Johnson, apesar de não encarar com grande afeição a situação dos ex-confederados, acabou por dar maior liberdade a estes para que elaborassem suas próprias definições legais para a situação dos negros libertos em seu território e passou a vetar os projetos de lei do Congresso que visavam a uma integração maior dos negros às malhas dos estados.
Os congressistas mais radicais, com vistas a confrontar o presidente, passaram a pôr em prática aquilo que ficou conhecido como “Reconstrução Radical”. Esses congressistas passaram a elaborar leis que, entre outras coisas, previam a distribuição de terras dos grandes latifúndios para negros em pé de igualdade com os brancos. Além disso, tais leis também previam a reincorporação dos Estados do Sul acompanhada de intervenção militar. A contenda entre a presidência e o Congresso tornou-se intensa, e os congressistas mais aguerridos no combate contra Jonhson encontraram em uma lei de 1867 um possível fundamento para a abertura de um processo de impeachment.
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Lei de Permanência no Cargo, de 1867: base para o impeachment
Deputados radicais republicanos tentaram por duas vezes, na Suprema Corte, que fosse feita uma intervenção judicial contra o presidente. Não conseguindo êxito nessas tentativas, os mesmos deputados encontraram na Lei de Permanência no Cargo, de 1867, a prerrogativa para abrirem um processo de impeachment contra Andrew Johnson em 1868. Com apenas um ano de vigência, essa lei previa que o presidente da República não poderia demitir seus secretários de Estado sem que o Congresso autorizasse.
Em 12 de agosto de 1867, Jonhson não havia observado a Lei de Permanência no Cargo e afastou o então secretário de Guerra (nomeado por Lincoln), Edwin Stanton. Stanton era aliado dos radicais. Seu afastamento foi a brecha utilizada para o processo ter início, como dizem os historiadores Luís Estavam Fernandes e Marcos Vinícius de Morais:
“Essa lei (de Permanência no Cargo), aprovada em um contexto de constitucionalidade duvidosa, proibia a demissão de membros do gabinete presidencial sem aprovação do Congresso. Johnson havia tentado demitir o Secretário de Gerra Edwin Stanton, que fora nomeado por Lincoln e, em 1868, a Câmara dos Representantes votou o impeachment do presidente baseando-se num longo e nebuloso conjunto de acusações.” [1]
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Processo e julgamento
A Câmara dos Representantes votou a admissão do impeachment em 24 de fevereiro de 1868, aprovando por 124 contra 46 votos. O processo foi para o Senado, que, à época, possuía 54 membros. Era necessário 2/3 dos votos dos senadores para que o presidente Johnson fosse, de fato, destituído do cargo. Portanto, 36 senadores deveriam votar a favor da destituição.
O julgamento teve início em 30 de março de 1868. Em 26 de maio houve a votação final. 35 senadores votaram a favor do impeachment, não completando assim os 2/3 necessários. Johnson foi livrado da destituição por apenas um único voto!
NOTAS
[1] FERNANDES, L. E.; MORAIS, M .V. “Os EUA no século XIX”. In: KARNAL, L. História dos Estados Unidos – das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2015. p. 144.
Por Me. Cláudio Fernandes