Por Me. Cláudio Fernandes
O escritor Euclides da Cunha (1866-1909) é considerado, simultaneamente, um dos maiores prosadores (isto é, literatos) e um dos maiores pensadores sociais que o Brasil já teve. Essa façanha torna Euclides difícil de ser classificado. Entretanto, é indispensável àqueles que têm interesse por história do Brasil conhecer e saber da profundidade da obra desse autor e desvendar o “Brasil de Euclides”.
Euclides da Cunha teve formação técnica na área de engenharia, fato que o levou a travar contato com grandes obras de filosofia positivista e cientificista, como boa parte da intelectualidade brasileira daquela época travou. O cientificismo deu tons decisivos na compreensão que Euclides da Cunha teve de seu país. Além dessa formação técnico-científica, Euclides também teve uma enorme inclinação à leitura de autores clássicos, sobretudo literatos.
Dois de seus maiores empreendimentos literários foram também frutos de expedições das quais participara através do interior do Brasil da virada do século XIX para o início do século XX. Essas expedições, a primeira ao Arraial de Canudos, para onde foi enviado como correspondente de guerra em 1897, e a segunda à Amazônia, para onde foi enviado em 1904 como chefe de uma comissão de reconhecimento do Alto Purus a fim de demarcar a fronteira entre o Brasil e o Peru, proporcionaram a Euclides experiências que foram imortalizadas em duas obras: “Os Sertões” (1902) e “À margem da história” (publicado apenas em 1909, após a morte do autor).
No livro “Os sertões”, que é dividido em três partes principais (A Terra, O Homem e A Luta), Euclides tentou analisar aquele Brasil que até então era desconhecido dos brasileiros que moravam no litoral. Euclides, mais do que retratar os meandros dos combates das tropas governamentais contra os jagunços aliados a Antônio Conselheiro, procurou traçar um quadro compreensivo do tipo de homem que habitava as entranhas do Brasil e a forma como o meio (o sertão) moldava seus hábitos e sua alma.
Em “À margem da história”, a preocupação de Euclides era a mesma: mais que liderar uma expedição oficial de reconhecimento de território, a ele interessava conhecer e compreender que tipo humano e que tipo de contribuição civilizacional os povos que habitavam a Amazônia davam ou dariam ao Brasil. Tanto a figura do sertanejo quanto a figura dos mestiços que habitavam a Amazônia foram dissecadas por Euclides e trazidas à baila da reflexão sobre a situação social e civilizacional brasileira por meio de suas obras. Como evidenciou o pesquisador italiano especialista em literatura brasileira, Ettore Agró:
O Sertanejo, nesse epos negativo, é o monstrum, fascinante e terrível, que ocupa um Centro medonho onde se manifesta e, ao mesmo tempo, se oculta o passado nacional: ele é o mito racionalizado da Origem, ele é o ser irracional que logicamente, como todo fundamento, “vai ao fundo e some” deixando no seu lugar apenas e sempre um vazio. Desse espaço que está no começo dos tempos, desse homem primordial que fica À margem da história, só um geógrafo disfarçado de cronista, só um autor épico mascarado de cientista, tenta recuperá-lo, justamente, como “figura”, isto é, como presença de uma ausência. (AGRÓ, Ettore Finazzi. Geografias da Memória: A Literatura Brasileira entre História e Genealogia. Anos 90: Revista do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Dez 1999 n. 12, p. 12)
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