Judith Butler

Judith Butler é uma das filósofas feministas estadunidenses mais influentes da história, autora de diversos estudos sobre feminismo e gênero.
Judith Butler em conferência realizada em Madri, Espanha, 2022.[1]

Judith Butler é um dos nomes mais importantes da Filosofia feminista norte-americana do final do século XX. Reflexo da segunda onda do movimento feminista, suas obras, influenciadas por pensadores como Michel Foucault e Jacques Derrida, propuseram uma perspectiva de gênero no âmbito do pós-estruturalismo. Entre suas contribuições, destacam-se a teoria da performatividade e a teoria queer, além de buscar descontruir o conceito de binarismo erigido por teóricas do feminismo anteriores. Os seus estudos, no entanto, foram criticados por diversos intelectuais por serem de complexa compreensão e não considerarem as questões de raça e classe social.

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Resumo sobre Judith Butler

  • Judith Butler é uma pensadora estadunidense feminista inserida no contexto pós-moderno e pós-estruturalista da Filosofia.
  • Butler foi uma das principais críticas à obra de Simone Beauvoir, O segundo sexo. Para a filósofa norte-americana, ao invés de contribuir para com o protagonismo da mulher na sociedade, Beauvoir acabava por excluí-lo ao pressupor a natureza do binarismo.
  • A filósofa contribuiu para com a teoria da normatividade ao inserir a perspectiva da mulher na sociedade contemporânea. Para ela, a linguagem induz à mulher uma construção premeditada de identidade, ao mesmo tempo que é direcionada a se tornar submissa desde a infância por meio da associação de palavras.
  • Butler é autora da teoria queer, que descontrói o conceito de heterossexualidade baseado em sexo, gênero e sexualidade.
  • As contribuições de Judith Butler são, para muitos, contraditórias, por inserir o contexto do feminismo apenas por meio de uma perspectiva branca e elitista, sem serem consideradas as questões de raça e classe social.

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Biografia de Judith Butler

Judith Butler nasceu nos Estados Unidos, em Cleveland, estado de Ohio, em 24 de fevereiro de 1956. De descendência russo-judaica e húngaro-judaica, frequentou a Escola Hebraica, onde se interessou pelos estudos de ética judaica primeiramente aos 14 anos. Seguiu carreira acadêmica em Filosofia, frequentando de início a Bennington College, no estado de Vermont, e posteriormente a Universidade de Yale, onde obteve o título de doutora no ano de 1984. Atualmente, exerce o ofício de professora do Departamento de Retórica e Literatura Comparada na Universidade da Califórnia, na cidade de Berkley.

Inserida no contexto filosófico do pós-estruturalismo, foi autora de obras influentes sobre gênero e feminismo, como Problemas de gênero (1990), Corpos que importam (1993), Desfazendo gênero (2004) e Corpos em aliança e a política das ruas (2015). Além dos estudos sobre esse assunto, é também engajada nas lutas pela libertação do povo palestino e contra o sionismo, como demonstra em sua obra Caminhos divergentes (2017), e tem ativa participação na organização norte-americana Voz Judaica pela Paz. Em 2012, foi presenteada com o prêmio Theodor W. Adorno por suas contribuições acadêmicas na área das humanidades.

Autoconsiderada pós-feminista, Judith contribuiu principalmente para com os questionamentos sobre binarismo, feminismo e a teoria queer. Embora frequentemente tenha utilizado o embasamento teórico de autoras feministas como Simone de Beauvoir, seus estudos também são fortemente influenciados pela escola inglesa, a exemplo de John Austin, e a francesa, de Michel Foucault, Jacques Derrida e Gilles Deleuze.

Judith é casada com a cientista política Wendy Brown (1955), com quem compartilha a parentalidade de Isaac Butler (1994).

Ideias de Judith Butler

Judith Butler contribuiu para as áreas das Ciências Humanas por meio de diversas ideias, transitadas em múltiplas áreas dos conhecimentos pós-modernos e pós-estruturalistas. Embora muitas delas fossem novidades nos campos de estudo desde suas primeiras publicações ao final da década de 1980, Butler utilizou também releituras e reinterpretações sobre questões de gênero e feminismo. Ela se tornou uma das principais autoras entre a segunda e a terceira ondas feministas.

Suas ideias são bastante alinhadas às teorias do pensador francês pós-moderno Michel Foucault; ela admite, por exemplo, a perspectiva foucaultiana de que os sujeitos tentam se construir por meio das relações de poder – suas liberdades, e sobretudo as limitações, induzem à perspectiva subjetiva da sociedade e suas práticas. Esse viés, conceituado por Butler como “agência”, possui um mecanismo central: a identidade de sujeito. Se, por um lado, as instituições de controle limitam o sujeito às suas regras e convenções, por outro servem de construção da subjetivação (ou construção do sujeito) em seus preceitos de liberdade.

Outra notável contribuição de Butler às teorias feministas, presente em diversas obras suas, foi sua crítica aos conceitos de “sexo” e “gênero”. Para ela, a dicotomia é problemática, pois não enfatiza o lugar da mulher como protagonista social; no lugar, propõe que os corpos devam ser construídos culturalmente (uma perspectiva também foucaultiana), e não pela distinção singular de sexo/gênero.

Essa distinção, problematizada pela pensadora francesa feminista Simone de Beauvoir na obra O segundo sexo (1949), deveria a princípio servir de fundamento existencialista à apropriação da mulher como tal em uma sociedade construída pelo patriarcado; por outro lado – e é aí que se encontra a principal crítica de Butler –, essa apropriação só estaria dando significado ao não protagonismo do “Outro” construído pelo discurso do gênero masculino. A crítica foi problematizada primeiramente na obra Problemas de gênero.

Gênero é uma construção: bandeira do orgulho LGBTQ+ exibida em passeata no Mês do Orgulho, em Toronto, Canadá, 2019.[2]

Embora no decorrer da década de 1990 a pensadora tenha se voltado principalmente a estudos filosóficos acerca do feminismo, a partir do século XXI a postura intelectual de Judith Butler se voltou (sem abandonar as questões de gênero) a problemas de ética e política. Doravante, enfatizou questionamentos sobre judaicidade, sionismo e neoliberalismo, utilizando como referenciais teóricos filósofos judeus como Hannah Arendt e Walter Benjamin. Mais de dez livros sobre ética e política foram lançados por Judith desde então.

As obras sobre gênero de autoria de Judith Butler refletem a segunda onda do movimento feminista, embora tenham sido lançadas principalmente em meio ao contexto da terceira onda. A discussão acerca de sua identificação se dá principalmente aos tópicos pautados pelo feminismo branco problematizado na segunda onda – igualdade de gênero nos direitos legais e políticos, oportunidade indiscriminada de trabalho para as mulheres e os problemas do patriarcado, por exemplo –, mas sem se voltar às questões de raça e classe, que seriam essenciais nas configurações buscadas pela terceira onda feminista.

Para muitos, em vez de atentar às múltiplas realidades de injustiça e desigualdade, Butler enfatizaria seus estudos de maneira inacessível devido ao complexo teor filosófico, embora a sua militância tenha contribuído para diversos estudos sobre a inclusão de gênero e comunidades LGBTQ+ desde o final do século passado.

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Teorias de Judith Butler

Por meio do constante contato com a leitura de filósofos e sociólogos pós-modernos como Michel Foucault e Jacques Derrida, Judith Butler organizou suas teorias por meio da perspectiva feminina da sociedade – contribuindo para a teoria da performatividade – e criticando, muitas vezes, algumas das consequências dos movimentos feministas anteriores a ela – como a formulação da teoria queer. Ambas as teorias procuram descontruir as normas socialmente associadas à questão de gênero e identidade.

  • Teoria da performatividade: embora a teoria da performatividade possua a colaboração de diversos autores – entre eles John Austin e Jacques Derrida –, Judith Butler a trouxe para uma perspectiva de gênero. A ideia principal da teoria diz respeito à forma como o sujeito associa subjetivamente a linguagem e é moldado por tal na sociedade. Para Butler, “ser mulher” significaria ser construída patriarcalmente conforme ditam as regras da comunicação. Mais exatamente, a filósofa usa o termo “falocêntrico” para se referir ao discurso do gênero masculino que tende a moldar a mulher no âmbito social desde sua infância por meio da repetição de hábitos, de modo que, subconscientemente, a mulher adotaria práticas e comportamentos que a associariam fixamente à identidade feminina. A performatividade também pode ser aplicada à teoria queer, descrita abaixo.
  • Teoria queer: porquanto queer recebia uma conotação depreciativa aos gays e lésbicas nos Estados Unidos em meados do século XX – de significados negativos como “esquisito” ou “bizarro” –, o termo acabou se tornando um símbolo do empoderamento LGBTQ+ (aliás, o “Q” da sigla foi incorporado para fazer referência a queer). Diante de diversas afirmações encontradas nas teorias feministas que identificavam o gênero como naturalmente binário – e que, portanto, a heterossexualidade seria um atributo indissociável à natureza –, Judith Butler propôs que, pelo contrário, os três conceitos sexo, gênero e sexualidade são construções sociais que procuram definir o que é “ser homem” e o que é “ser mulher”. O alinhamento dos três conceitos foi culturalmente erigido para se definir apenas um de dois gêneros, e, por isso, a associação “homem” ou “mulher” vem a ser facilmente assimilada pela sociedade de forma binária. Por isso, qualquer desvio de um dos três conceitos era corriqueiramente associado a algo “esquisito” ou “bizarro”, de forma que um gênero só poderia ser socialmente aceito se o sujeito nascido com um dos sexos se identificasse coerentemente com o mesmo e se sentisse atraído ao gênero oposto – noção que recebeu o nome de heteronormatividade após a contribuição de Butler à teoria queer.

Obras de Judith Butler

  • Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade (1990)
  • Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo” (1993)
  • Desfazendo gênero (2004)
  • Vida precária (2004)
  • Corpos em aliança e a política das ruas: notas sobre uma teoria performativa de assembleia (2015)
  • Caminhos divergentes: judaicidade e crítica ao sionismo (2017)
  • Quem tem medo do gênero? (2024)

Citações de Judith Butler

  • “Seja qual for a liberdade pela qual lutamos, deve ser uma liberdade baseada na igualdade.”
  • “Existe uma maneira de categorizar os corpos? O que as categorias nos dizem? As categorias nos dizem mais sobre a necessidade de categorizar os corpos do que sobre os próprios corpos.”
  • “É crucial que resistamos às forças da censura que prejudicam a possibilidade de viver em uma democracia igualmente comprometida com a liberdade e a igualdade.”
  • “Os movimentos sociais devem unir as energias criativas e afirmativas das pessoas, não apenas reiterar os danos e produzir uma identidade como sujeitos de dano.”
  • “Sempre fui feminista. Isso significa que eu me oponho à discriminação das mulheres, a todas as formas de desigualdade baseadas no gênero, mas também significa que exijo uma política que leve em conta as restrições impostas pelo gênero ao desenvolvimento humano.”
  • “A possibilidade não é um luxo. Ela é tão crucial quanto o pão.”

Créditos das imagens

[1] Carlos Sanchez Benayas / Shutterstock

[2] NixZ / Shutterstock

Fontes:

FEMENÍAS, María L. A crítica de Judith Butler a Simone de Beauvoir. Dossiê Simone de Beauvoir. Tradução: COSTA, Antônio A. de Oliveira; BRANDÃO, Jacyntho L.; FONSECA, Valéria de Marco. Belo Horizonte: Sapere Aude, v.3, n.6, p.310-339, 2012.

FURLIN, Neiva. Sujeito e agência no pensamento de Judith Butler: contribuições para a teoria social. Sociedade e Cultura. Goiânia, v.16, n.2, p.395-403, 2014.

HADDAD, Maria I.D.; HADDAD, Rogério D. Judith Butler: performatividade, constituição de gênero e teoria feminista. V Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades. Campina Grande: Realize Editora, 2017.

O LIVRO DO FEMINISMO. São Paulo: Editora Globo, 2019.

ROCHA, Cássio B. A. Um pequeno guia ao pensamento, aos conceitos e à obra de Judith Butler. Cadernos Pagu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, v.46, p.507-516, 2014.

RODRIGUES, Carla. Judith Butler. Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas. Campinas: Mulheres na Filosofia, v.6, n.3, p.99-113, 2020.

_____; DE MORAES, Maria L.Q.; FRATESCHI, Yara. Judith Butler: por um feminismo sem medo do gênero, 2024. Disponível em: , acesso 23 set. 2024.

Por Cassio Remus de Paula